*Texto escrito em conjunto com Renato Mello do Botequim Cultural
Poucos programas na televisão brasileira foi tão kitsch,
longevo, singular e alvo de intensas discussões nostálgicas nos dias atuais do
que o inesquecível “Qual é a Música?”.
Apresentado pelo mais carismático dos apresentadores da televisão
brasileira, Silvio Santos, o
programa teve seu início em 1976 ainda na TV Globo, com Silvio o levando para a Record e posteriormente para a TVS(o
embrião do SBT) e durante toda a década de 80 era atração obrigatória(mas não
confessável) nas tardes de domingo. Todo mundo assistia, mas poucos admitiam,
tal a fascinação por aquele enorme desafio musical, num cenário de gosto prá lá
de duvidoso e brilhoso, composto por uma enorme orquestra, tendo ao fundo o pião
do Baú da Felicidade.
A inconfundível voz de Lombardi anunciava: “o
carnê de mercadorias do Baú da Felicidade, por 1 milhão de cruzeiros quer saber
‘Qual é a Música?’”, então adentrava ao palco o sorriso mais famoso do
Brasil cantando com suas colegas de trabalho: “agora é hora de alegria/vamos
sorrir e cantar/ porque da vida não se leva nada/vamos sorrir e cantar/
lálálálá lálálálá...”
Silvio então
anunciava aquele que estava ali o atual campeão, ali para defender seu atual
título e u m dia atingir a meta quase inatingível de destronar o grande campeão
em número de vitórias Ronnie Von, seguido de Silvio Brito, os dois principais
ícones da história do programa. Nos anos 80, alguns artistas se notabilizaram
por uma longa vida no programa: Marcelo, Gretchen, Harmony Cats, Nahim, Nico
Rezende e nos últimos anos do programa Yahoo e Placa Luminosa. Aliás, a
presença do Placa Luminosa era uma covardia, porque era um monte de integrantes
disputando contra um solitário cantor. Depois era a vez do desafiante, que
tentaria quebrar a sequência de vitórias do atual campeão. Nesse quesito,
algumas figurinhas carimbadas estavam constantemente presentes, sem conseguir
permanecer muitas semanas no ar: Trio Los Angeles, Gilliard, Sidney Magal,
Agnaldo Timóteo, Grupo Bombom(quem lembra? Vamos a la playa, ôôôô...) e até o
cantor Junno dava o ar de sua graça, recentemente desencavado do obscurantismo
graças ao seu romance com Xuxa. Na época tudo já era bem bizarro, com os olhos
de hoje então é divertidamente e maravilhosamente bizarro.
Se havia algumas figurinhas carimbadas entre os participantes,
o mesmo podia ser dito em relação ao repertório do programa. Era raro o
programa em que não se tocasse ou mencionasse músicas como “Solamente una Vez”(que nunca entendi o
porquê dessa obsessão por ela), “Aparências”,
“Jardineira”.
O programa era dividido em 4 blocos(alguns que foram
substituídos, subtraídos ou adicionados ao longo dos anos), mas alguns permaneceram
até o final dos tempos. Mas na verdade, havia uma manipulação por trás, porque
mesmo que um determinado artista ganhasse as 3 primeiras provas, se perdesse a
prova final(o “Leilão das Notas Musicais”),
perderia assim mesmo o jogo.
Entre um quadro e outro, havia os famosos sorteios daquele “negócio
da China” que o Silvio Santos
administrava chamado Baú da Felicidade, aonde os “clientes do carnê” rodavam o
pião para ganhar prêmios. Mas antes eles tinham, debaixo de um enorme suspense,
com direito a 5ª sinfonia de Chopin, dizer se estavam “rigorosamente em dia com
as obrigações do carnê do baú” para poderem participar das provas. Eu me
perguntava sobre o que levava uma pessoa a viajar para São Paulo para chegar
até ali para dizer com cara de infeliz que não estava em dia.
O jogo era levado, por vezes, tão a sério que há poucos anos
atrás, o cantor Nahim abriu processo contra Silvio Santos porque acabou
interrompida sua incrível série de vitórias(ameaçando se aproximar do recorde
de Ronnie Von) porque por um erro da produção, acabou perdendo o jogo.
Em seguida o “Jogo do
Relógio Musical”, em que os músicos tinham 1 minuto para decifrar o maior
número possível de músicas. Mas essa não era das provas mais interessantes.
No “Segredo Musical”,
Silvio Santos dizia uma palavra e os
cantores tinham que adivinhar a canção correta que cantar uma música com aquela
palavra. Às vezes aconteciam coisas como Silvio
Santos pedir uma música com a palavra “garota” e lá ia o pobre oponente
cantando “Garota de Ipanema” até
achar a palavra pedida na canção e só quando a música terminava se dava conta
que não existe a palavra garota na letra da eterna canção de Tom e Vinícius. Quando
nenhum dos artistas acertava, era a chance do auditório tentar ganhar uns caraminguás
tentando adivinhar a música correta, se espremendo e brigando pelo microfone.
Aí era um festival de absurdos com canções que ninguém compreendia e Silvio Santos perguntando: “Tem essa
música?”... E suas colegas de trabalho: “teeeeeem!!!”. “Então paga a ela”. Mas
o melhor do quadro era sem dúvida, quando alguém acertava e Silvio Santos pedia: “-
Pablo, qual é a música?” Entrava então em cena um dos seres mais
estranhos, esquisitos e bizarros da história da televisão brasileira: Pablo. Pablo aparecia de costas, virava o rosto todo pintado de maneira
estilizada, encarava a câmera com seus enormes olhos azuis e começava a dublar:
Nunca vi rastro de cobra/Nem couro de lobisomem/Se
correr o bicho pega/Se ficar o
bicho come/Porque eu sou é home/Porque eu sou é home/Menino eu sou é home/Menino eu sou é home/E como sou!
Na “Vitrola Musical”
os oponentes tinham que adivinhar quem era a voz apresentada. Sempre rolava
aquelas vozes beeem das antigas, do tempo do ronca, tipo Carmélia Alves ou
Francisco Alves. Quando ninguém sabia, o auditório tinha o direito de tentar
adivinhar. As “colegas de trabalho” iam novamente ao microfone e chutavam os
maiores absurdos.
Por último, a prova que realmente decidia o jogo: “O Leilão das Notas Musicais”. Silvio Santos dava a pista e em 7, 6,
5....por vezes com uma nota, os candidatos tinham que adivinhar “qual é a
música?”. A pista normalmente era algo como: “música típica do Brasil mais o
nome do meio de transporte inventado por Santos Dumont formam o título dessa
música de Tom Jobim”, no que Nico Rezende cheio de convicção respondeu “Samba
do 14 Bis”!!!! Às vezes a pista era simplesmente: “Essa música foi um grande
sucesso de Noel Rosa”. Em 5 ou 6 notas tinham
que adivinhar através das notas dadas pelo piano do maestro Zezinho.
Assim terminava o “Qual
é a Música?”, com Silvio Santos
anunciando as pontuações de cada quadro ao lado dos sorridentes oponentes e
entoando: “agora é hora de alegria/vamos sorrir e cantar/ porque da vida não se
leva nada/vamos sorrir e cantar/ lálálálá lálálálá...” Era muito
cafona, mas hoje chega a soar inocentemente delicioso.
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